Via G1 – Tecnologia
Nas redes
sociais, contas falsas são criadas para tentar criar tendências. Lidar com elas
será um desafio nas eleições de 2018.
Sabe aquele chat que se usa ao fazer compras pela internet ou para tirar
dúvidas sobre atendimento? Os chamados "bots" ou programas de
computador feitos para interagir com humanos e dar respostas sobre coisas
práticas são cada vez mais comuns. O que também tem se tornado recorrente é o
uso dessa tecnologia, aliada a humanos, para influenciar debates nas redes
sociais.
Reportagem especial da BBC Brasil publicada pelo G1
(...) revela um exército de perfis falsos usados para influenciar as
últimas eleições no Brasil. O texto fez parte de uma série batizada de
'Democracia Ciborgue'.
Doutor em sociologia, diretor da FGV-Dapp e responsável pelo estudo
"Robôs, redes sociais e política no Brasil", o professor Marco
Aurélio Ruediger diz que em torno de 2% dos robôs no Twitter implicam em
retuítes de 15% a 20% sobre determinado tema.
"Se colocar isso como base para 2018, imaginando que a sociedade
está extremamente polarizada, a gente espera que o impacto seja bastante
significativo. A eleição, na prática, tem 40 dias. O impacto na webesfera vai
ser muito forte. A eleição vai se dar em boa parte nas redes sociais", diz
Ruediger.
Pablo Ortellado, professor da Universidade de São Paulo (USP), concorda
e diz que a situação será ainda mais nociva que nos últimos pleitos. “Vai ser
pior que 2014 porque a situação política está ainda mais polarizada, as
tecnologias estão mais desenvolvidas e a penetração das redes sociais está
maior. A polarização apaixona as pessoas. Mesmo as pessoas verdadeiras viram
atores de difusão”, diz.
Segundo ele, além dos bots (ou robôs), que são mais comuns no Twitter,
existem as personas, mais disseminadas no Facebook. “Os robôs são programas que
postam coisas automaticamente. Têm um repertório de contas falsas, que são
operadas por uma máquina, normalmente com o intuito de fazer trending topics.
Você cria uma hashtag que está bombando por meio de uma ação falsa, e não
porque as pessoas estão falando. É uma estratégia muito comum no Twitter”,
afirma.
Existem softwares e programas para isso, segundo Ortellado. É possível
criar contas e alimentar o programa com os conteúdos que elas devem disseminar.
“Você vai escrevendo várias mensagens, simulando que é uma pessoa. Aí, a cada
2, 3 minutos, o programa publica o conteúdo de forma alternada entre os
perfis”, diz.
Por conta desse comportamento automático, o professor afirma que é
relativamente fácil identificar esses robôs. Os conteúdos são muito parecidos,
senão iguais, e o intervalo de publicação é muito curto. Por outro lado, a
facilidade com que eles são criados e mantidos é grande. “Você não precisa que
a pessoa interaja com você, já que o objetivo é entrar nos trending topics.
Existem muitos milhares de robôs no Twitter, é um percentual grande das contas.
É um problema estrutural da rede social faz tempo”, diz Ortellado.
Já as personas são perfis falsos criados e gerenciados por pessoas
reais. “É uma estratégia diferente. O objetivo da persona é estabelecer vínculo
com pessoas comuns, e não trending topics. É influenciar pessoas por meio de um
comportamento automático de manada.”
Para isso, muitas agências de propaganda política têm contratado pessoas
para criar e alimentar essas contas com objetivos específicos, segundo o professor.
“São distribuídos perfis demográficos, de um jovem de Duque de Caxias (RJ) sem
filhos, por exemplo. A pessoa contratada dá vida a esse perfil, faz amizades,
interage e fica o dia todo alimentando aquela conta como se fosse aquela pessoa
falsa.”
Os objetivos, de acordo com Ortellado, são variados e podem ser desde
levantar bandeiras políticas até tirar a atenção de algum assunto que esteja
bombando nas redes. “Quando um político está sendo atacado, os perfis ligados a
ele entram com a missão de atacar o adversário, de trocar de assunto. Faz tudo
maneira articulada. A pessoa normal vê várias coisas e fica com a impressão de
que tem um processo espontâneo de mudança de assunto.”
Por terem “pessoas reais” por trás, estas personas são mais difíceis de
serem identificadas, segundo Ortellado. “A persona é mais maliciosa. Nos robôs,
você vê o comportamento automático; com as personas, é diferente. Não é uma
máquina que está fazendo, é uma pessoa que interage, que tem humor. É muito
mais difícil de ser notado. Por isso, é pouco estudado.”
De acordo com o professor, estes perfis estão no ar desde pelo menos as
eleições de 2012 no Brasil. Há especulação entre os estudiosos que as eleições
de 2014, que foram marcadas pela polarização política no Brasil, serviram como
laboratório para estratégias de influência digital que foram utilizadas nas
últimas eleições americanas e no processo do Brexit, no Reino Unido.
Combate
Segundo Ortellado, o combate a esses perfis é muito difícil,
principalmente em relação às personas. “São pessoas se passando por outras.
Mesmo assim, o Facebook fecha 1 milhão de perfis falsos por dia em todo o
mundo. O Twitter também fecha muitos bots. Mas os perfis são fechados e as
pessoas vão lá e fazem novos. É enxugar gelo."
“Não tem muito o que fazer. Tem que aprender a lidar com isso. A culpa
disso não é tanto das ferramentas, é do ambiente político. Todo mundo que
discute política vai correr o risco de interagir com pessoas falsas que vão
tentar te influenciar, além de notícias falsas e boatos. Vamos ver isso em
grande escala em 2018", afirma Ortellado.
(...)
Como funciona
Mas como o robô funciona, de que maneira ele entra na vida das pessoas e
tenta influenciar o debate político? Thiago
Rondon, diretor do Instituto Tecnologia & Equidade e fundador do AppCivico,
explica: "O robô nada mais é que um programa de computador que atualmente
está sendo utilizado para se passar como humano, como nós. Como não temos um
contato físico hoje com todo mundo com quem nos relacionamos por redes sociais,
então esse programa de computador pode simplesmente começar a se relacionar
conosco como se fosse uma outra pessoa, comentando. Por exemplo, colocamos uma
foto em uma rede social e alguém vai lá e faz um comentário bacana. Vai mandar
uma mensagem e pode ser que você comece ali a se relacionar digitalmente com
uma pessoa que é um software na realidade. Isso é a definição dos robôs".
(...)
Segundo Rondon, antes robôs mais simples eram programados dar uma
resposta de acordo com a palavra contida na pergunta. Com o avanço da
inteligência artificial, entrou em cena a chamada linguagem natural, que
interpreta de maneira muito mais eficaz o que o usuário humano está falando,
potencializando o uso dos robôs de uma maneira muito rápida.
Na área comercial, isso está sendo usado da seguinte forma: quando o robô
não consegue responder algo, isso é direcionado a uma pessoa que ensina o robô
como aprender a resolver essa nova questão. Uma grande loja de departamentos
brasileira, por exemplo, tem um robô no Facebook que consegue buscar produtos,
propor ofertas e dar cupom de desconto.
Alguns desses robôs se autodeclaram assim que começam a atender. Mesmo
assim, tem gente que acredita que está falando com um ser humano. "Algumas
pessoas, pela interação, como é muito simples, acabam não identificando se é
uma pessoa ou um robô", diz Rondon.
Um exemplo clássico: um chat de atendimento digital do Poupatempo,
mantido pelo governo de São Paulo para facilitar o agendamento e a retirada de
documentos, recebeu mais de 160 mil mensagens de agradecimento do tipo
"Deus lhe pague".
Mas a preocupação não são os robôs que realizam serviços. O grande
problema são os robôs que começam a influenciar as pessoas de uma maneira
deliberada. "Existem os robôs do
bem, mas a pauta no momento são os robôs do mal, que estão sendo usados para
criar consenso falso e que dificultam que tenhamos uma análise crítica do que
está acontecendo no mundo", diz Rondon.
E como isso ocorre? Rondon explica que hoje as pessoas vivem no que se
chama economia da atenção. Ele diz que as plataformas querem deixar seus
usuários felizes o tempo todo para que eles permaneçam o maior tempo possível
nelas. As plataformas medem essa satisfação, e os robôs usam essas informações.
"Se você entrar em uma rede onde você é confrontando em seus
ideais, sua ética, questões religiosas, você não vai mais querer utilizá-la.
Essas plataformas aprenderam que precisam nos deixar satisfeitos e felizes a
maior parte do tempo. Os robôs estão identificando isso através das comunidades
das quais participamos, dos likes que a gente dá em redes sociais e começam a
interagir conosco como se fosse uma pessoa que pensa da mesma maneira que nós,
compartilhando as mesmas coisas, comentando as mesmas coisas", diz Rondon.
O problema é que esses robôs capazes de aprender comportamentos e simular
pessoas estão sendo criados com infraestrutura de apoio pronta para ser
executada a favor de uma ideia A ou B. E isso envolve dinheiro, porque esses
exércitos de robôs podem ser comprados para influenciar o debate na rede.
"Um caso comum é o Trump por exemplo: ele tem 19 milhões de robôs o
seguindo e 17 milhões de humanos. Esses robôs estão espalhados por todas as
cidades dos Estados Unidos, em várias comunidades e em vários perfis de
pessoas. Na época das eleições, esses robôs começam a falar sobre algum assunto
relacionado a esse candidato que faz sentido para essa comunidade. Você tem
múltiplos discursos, muito bem direcionados e que essa estrutura montada com
muita antecedência permite criar influência. É obvio que com o tempo isso virou
um modelo de negócio. São empresas que prestam serviços que estão levantando
esses perfis e vendendo os serviços nesse sentido de mensagem."
Como
reconhecer um BOT? (Foto: Alexandre Mauro/G1)
Futuro
Ruediger, da FGV, sugere que, em 2018, o Tribunal Superior Eleitoral
fiscalize o emprego de recursos pelas campanhas na internet, exija informações
das equipes técnicas contratadas pelos políticos, monitore o uso de robôs e as
contas criadas pelas campanhas nas redes sociais. Rondon, do AppCivico, diz que
eliminar robôs ou perfis ou apoiar leis que censuram a informação não é o
caminho adequado, porque isso pode desequilibrar ainda mais o debate. Ele
acredita que será possível identificar formas de inibir essas práticas nocivas,
assim como os usuários de e-mail conseguiram controlar os spams.
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